Foto por  Jon Tyson em Unsplash

No passado Filip Stojanovski já tinha feito inimigos ao enfrentar o poder com a verdade. Como diretor de programa da Fundação Metamorphosis na Macedônia, Stojanovski ajudou a criar o serviço supervisor de mídia chamado Media Fact-Checking Service, além de vários outros projetos que apoiam o conhecimento aberto e a democracia pela internet. Mesmo assim ele achou um absurdo ver postagens patrocinadas no Facebook vinculadas à falsas informações sobre ele em 2015.

“Ficou claro para mim que era uma campanha de propaganda contra pessoas que recusam a se calar ante os problemas neste país”, disse. Ele ainda não sabe quem pagou por essas postagens.

O que Stojanovski sabe é que isso aconteceu no contexto de uma campanha em curso que visa intimidar e caluniar organizações da sociedade civil na Macedônia.

Esse tipo de fraude na mídia social está alcançando proporções epidêmicas ao redor do mundo, devido ao menos em parte aos terríveis problemas da economia online baseada em anúncios publicitários em que se baseia parte significativa da internet hoje em dia. Deixando de lado a política local, o aumento da desinformação conhecida atualmente pelo termo genérico de ‘fake news’ precisa ser entendido no contexto das realidades de um mercado doentio que deixa recompensar comportamentos maliciosos com lucro financeiro ou político.

Hoje a maioria das pessoas recebe pelo menos parte de suas notícias via redes sociais. Para maximizar o pagamento pelos anúncios, essas redes mostram o conteúdo que mais chama atenção dos usuários. Isso acaba favorecendo manchetes que clamam por reações (expressadas em compartilhamentos, curtidas e comentários). Soma-se, então, à capacidade de impulsionar a visibilidade de qualquer postagem comprando um “anúncio” dirigido a pessoas com maior chance de reagir (baseado em interesses, comportamentos e relacionamentos), e assim qualquer um pode produzir quantidades incríveis de desinformação – e monitorar o seu êxito. Quem dera a realidade fosse tão emocionante quanto a ficção…

A faixa de atores criando informação falsa se estende desde os maliciosos até os simplesmente oportunistas, com alvos tanto locais quanto globais. E os tipos de pessoas que encaminham, compartilham e difundem desinformação (quando são mesmo pessoas reais e não robôs) não têm uma característica unificadora. Todo mundo é suscetível, ainda que extremistas sejam mais propensos, talvez porque eles já estão indignados sobre muitas coisas que outros não veem como fatos.

Nos Estados Unidos, escândalos de desinformação (incluindo aquele sobre pedófilos numa pizzaria associada com Hillary Clinton) desfiguraram a eleição presidencial em 2016, e questionamentos sobre qual o real papel da desinformação na eleição de Donald Trump reverberam ainda hoje. Operadores russos são protagonistas nessa linha de investigação, baseada em clara evidência de que uma organização vinculada ao Kremlin, Internet Research Agency, gastou centenas de milhares de dólares para intensificar o discurso político tóxico, antes e depois das eleições.

Nesse caso a realidade é tão bizarra que você pensaria que se trata de ficção.

Russos criaram dúzias de páginas ‘falsas’ no Facebook, como “BlackMattersUS” [Os Negros são Importantes] e “Heart of Texas” [Coração do Texas] que imitam a linguagem das diversas extremidades do espectro político nos Estados Unidos. Ao atrair milhares de seguidores para as páginas, eles foram capazes de usá-los para organizar protestos na vida real, incluindo um protesto e um contraprotesto ao mesmo tempo.

Muitas manchetes já foram dedicadas a Rússia vs. Estados Unidos, mas tal comportamento não é exclusividade da Rússia. Nos demais países – e isso vale tanto para democracias quanto para estados autoritários – governos, militares e partidos políticos estão usando a internet para manipular a opinião pública em seu território ou no exterior sob pretextos completamente falsos. Eles empregam proxies e implantam trolls, robôs (bots) e outras técnicas para ocultar quem eles realmente são.

Os macedônios já estão bem familiarizados com a interferência russa. Mas sua batalha própria contra a desinformação começou muito antes da internet.

Filip Stojanovski crê que décadas de propaganda governamental durante as várias etapas de conflito e transição do socialismo para a democracia na Macedônia resultou em cidadãos exaustos. A desinformação é uma característica frequente de como a opinião pública é formada, diz, porque a mídia tradicional age diretamente a serviço dos partidos populistas.

Este ecossistema de verdade, mentiras e política se provou terreno fértil para uma indústria artesanal de ‘notícias falsas’ que também fez uma breve aparição nas últimas eleições americanas.

Jornalistas investigativos de diferentes países (que começaram seis meses antes do dia de votação) rastrearam as origens de milhares de histórias de ‘notícias falsas’ até um pequeno vilarejo na Macedônia chamado Veles, ora antes conhecido pela sua porcelana. Os jovens de lá criaram centenas de páginas da web com manchetes em inglês projetadas para arrecadar dólares de publicidade digital. Eles fabricam páginas sobre tudo, desde saúde e esportes até finanças e mais.

Porém, o que eles concluíram ser mais lucrativo? Histórias sobre Donald Trump. Ao explorar os mesmos mecanismos da mídia social descritos acima, os adolescentes macedônios conseguiram fazer a “economia da atenção” trabalhar para eles. Realisticamente falando, essas são as mesmas dinâmicas que fazem de Trump a maior notícia nos principais meios de notícias digitais dos EUA.

As pessoas clicam, os anúncios pagam, mais artigos são escritos.

A má informação é uma ameaça importante à saúde da internet e de todas as sociedades que ela alcança, pelo seu potencial de gerar desordem política, o enfraquecimento da verdade, ódio e rumores que se espalham em conflitos ou desastres, e também pelas tentativas apressadas de soluções pelos políticos (com ou sem segundas intenções) que podem ameaçar a abertura da internet.

Por exemplo, a reação da Alemanha à desinformação e ao discurso de ódio online foi responsabilizar as plataformas de mídia social por retirar do ar o conteúdo ilegal. Outros países, como Rússia e Quênia, aprovaram leis seguindo esse exemplo. Nós deveríamos desconfiar de qualquer solução que transforme o Facebook, Twitter ou outra corporação (ou seus algoritmos) em guardiões da internet.

No lugar de soluções precipitadas, precisamos gastar o tempo necessário para entender melhor o problema e o caleidoscópio de atores e sintomas envolvidos. Nós estamos enfrentando uma mescla de: noticiário sucateado, propaganda computacional, poluição da informação e baixa alfabetização digital.

Já existem muitas pessoas trabalhando em formas de resolver partes do problema. Programadores e editores tentam construir comunidades mais reflexivas e balanceadas em torno de suas notícias. A Coalizão pela Credibilidade (The Credibility Coalition) trabalha em um padrão web que ajude a detecção da veracidade ou confiança de um conteúdo. Professores estão desenvolvendo programas de estudo para ajudar os seus alunos a lutar contra a má informação. E plataformas sociais estão tentando tornar anúncios políticos mais transparentes, embora com efeitos limitados. Esses são apenas os princípios de muitas ideias.

Ainda que esforços assim tenham êxito, muitos defendem que ainda precisamos abordar um problema ainda maior para a saúde da internet: o modelo existente no qual ela se baseia, de anúncios online e engajamento, que recompensa o abuso, a fraude e a má informação. É difícil imaginar uma solução que não inclua regulação, mudanças radicais nos modelos de negócio da internet ou ambos.

Tampouco podemos cair na armadilha de culpar a tecnologia pelas condições sociais e econômicas globais que nos levam a um debate político polarizado, mídia hiper partidária ou qualquer outro fator bem humano que contribua para esses problemas.

O fato de as próprias ferramentas projetadas para o discurso cívico e a construção da comunidade sofrerem abusos, serem enfraquecidas, beneficia precisamente aqueles que preferem sociedades fechadas, menos fatos e uma internet menos saudável.

Mesmo esses problemas sendo grandes e complexos, encontrar soluções é crucial para a saúde da internet – e da nossa sociedade. Se pudermos solucioná-los e ao mesmo tempo manter intacta a natureza aberta da internet, amigável à liberdade de expressão, então nós poderemos revigorar a esfera pública. Se não, ficaremos atolados numa grande porcaria.

Essa é a verdade.

Leitura adicional:

The Promises, Challenges, and Futures of Media Literacy, Data & Society, 2018
Why education is the only antidote to fake news, Huw Davies, New Statesman, 2018
Real News About Fake News, Nieman Lab
Fake News and Cyber Propaganda: The Use and Abuse of Social Media, TrendMicro, 2017